Metade de povos tradicionais na Amazônia teme a falta de alimentos devido à seca e cheia
As mudanças climáticas e seus efeitos já fazem parte do cotidiano, como o ar que respiramos, a água que chega às casas, as ondas de calor mais frequentes e até a segurança dos alimentos. No entanto, entre os povos e comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, seringueiros e pescadores artesanais, esses impactos são vividos diariamente e de forma ainda mais intensa, gerando a chamada insegurança alimentar.
Para compreender melhor esse cenário, a Umane e a Vital Strategies, com apoio do Instituto Devive, realizaram um levantamento inédito sobre clima e saúde com moradores da Amazônia Legal. E pela primeira vez, um inquérito desse porte contou também com a alta participação de pessoas pertencentes a povos e comunidades tradicionais, ampliando substancialmente a representatividade desse grupo nas análises.
O inquérito Mais Dados Mais Saúde: Clima e Saúde na Amazônia Legal, disponível no Observatório de Saúde Pública da Umane, ouviu 4.037 pessoas entre maio e julho de 2025. O estudo aprofunda o conhecimento sobre uma região historicamente pouco captada por levantamentos populacionais.
No blog do Observatório, já publicamos um primeiro texto que apresentou como a população da Amazônia Legal percebe os efeitos da crise climática em seu dia a dia, do aumento da temperatura, poluição e custo da energia. Neste novo texto, avançamos para outro recorte da pesquisa: as percepções sobre acesso à alimentação.
Preocupação com alimentos é maior entre povos tradicionais
Os dados mostram que a incerteza climática afeta diretamente a segurança alimentar. Entre todos os entrevistados, 41,7% disseram que, no último ano, temeram a falta de comida em períodos de seca ou cheia. Mas entre pessoas que pertencem a povos ou comunidades tradicionais, a preocupação é ainda maior: o índice ultrapassa a metade e chega a 53,8%.

Neste recorte de pessoas de povos ou comunidades tradicionais, 79,1% acreditam que houve aumento de preços dos alimentos devido ao aquecimento global. Nos últimos dois anos, 21,4% afirmaram ter enfrentado problemas na produção de alimentos e 24,1% perceberam piora na qualidade da água. Na população total, esses percentuais foram menores: 17,1% relataram problemas na produção e 19,9% perceberam piora na qualidade da água.
Insegurança alimentar entre povos tradicionais da Amazônia
Os resultados também apontam desafios relacionados ao acesso a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente. Entre povos e comunidades tradicionais, 72% relataram falta de dinheiro para manter uma alimentação saudável e variada, um percentual acima do observado na população total (63,9%).
Nos demais indicadores, os dados específicos desse grupo já revelam, por si só, a profundidade dos desafios enfrentados:
- 66,4% demonstraram preocupação de que a comida acabasse antes de conseguir comprar, receber ou produzir mais.
- 60,8% relataram que a comida acabou antes de terem dinheiro para comprar mais.
- 55,9% disseram que comeram menos do que consideravam necessário por falta de recursos.
46,6% informaram que algum adulto em casa pulou ou reduziu refeições por falta de dinheiro.

Nos últimos três meses, pessoas de povos e comunidades tradicionais da Amazônia Legal relataram preocupação recorrente com a possibilidade de faltar comida, dificuldades para manter a alimentação adequada e episódios de redução ou interrupção de refeições por falta de recursos financeiros.
De maneira ampla, os resultados mostram que o acesso à alimentação na Amazônia Legal é marcado por desafios persistentes, moldados por fatores sociais, econômicos e pelas próprias características do território. O fato de esses impactos aparecerem com maior intensidade entre povos e comunidades tradicionais evidencia a necessidade de políticas públicas que considerem as especificidades da região e a relação direta entre clima, saúde e modos de vida.
Os achados reforçam a importância de produzir e divulgar dados que tornem visíveis as condições de vida na Amazônia Legal, especialmente entre povos e comunidades tradicionais. Ampliar esse conhecimento é essencial para apoiar decisões e políticas públicas capazes de responder aos desafios impostos pelo clima, pela saúde e pelo território.
